4 bons motivos (pouco técnicos) para praticar a Fotografia de Rua

O jargão Street Photographer é idealizado por muitos fotógrafos artistas ou “artistas”. Eu considero a fotografia de rua uma enorme usina de ideias e um ótimo campo de treinamento para qualquer tipo de fotógrafo.

No entanto, fotografar na rua é algo que muitos fotógrafos consideram uma espécie de privilégio do fotojornalista ou daquele que se entende como aspirante a fotojornalista, ou, pior ainda, aquele que quer posar de fotojornalista.

Mas, eu quero trazer aqui uma visão um pouco diferente do ato de fotografar na rua, fotografar o cotidiano simples e comum de uma comunidade urbana, seja de uma pequena cidade, como Itanhandu (em MG, cidade do meu coração), seja de uma metrópole como Campinas, onde nasci e vivo.

Fotografando o comum

Um homem brilhante, já falecido, infelizmente, a quem eu costumo dar muito da minha atenção, chamado G. K. Chesterton, tem como uma das suas frases mais famosas: “A coisa mais extraordinária do mundo é um homem comum, uma mulher comum e seus filhos comuns”.

Essa visão do valor da simplicidade do cotidiano, do ser comum, é o que mais me salta aos olhos quando estou com uma câmera na mão em uma lugar qualquer. Poder olhar (mesmo que não capture a imagem), para cada pessoa na rua e me lembrar que cada uma delas é um universo único, me faz tocar o chão. Esse devaneio me traz para a realidade da vida.

Perseguir, conseguir ver, encontrar valor no cotidiano tem sido um desafio em nossos dias de “parecer extraordinário no Instagram”. Vivemos em um mundo que valoriza o falso, o fingido, o encenado desde que seja “incrível”. Mas descobrir o simples no dia-a-dia é algo deslumbrante e real.

Fotografando porque me toca

Outro aspecto que a fotografia de rua traz é que posso (e devo, devo dizer) fotografar o que me toca para que, olhando posteriormente para o que fotografei, eu conheça melhor o que me constitui como pessoa.

Eu, ouvindo amigos de diversas áreas profissionais, aos meus quase 50 anos de idade, já entendi que toda e qualquer profissão é um exercício de auto-conhecimento, se encarada com afinco e atenção. Isso não é, nem de longe, uma propriedade apenas da Fotografia.

Os fotógrafos quase sempre se consideram artistas e, por isso mesmo, tentam encontrar explicações quase metafísicas para o fato de que se entendem melhor como pessoa por causa do ofício. E ainda mais pedantemente, que conseguem entender o mundo ao seu redor de forma superior. Mas a verdade é que todo ofício, do pedreiro, do prefeito, do militar, do físico ou qualquer outro, revela a pessoa por trás dele se essa pessoa estiver minimamente atenta.

O que me atrai na fotografia de rua, o que me leva ao click, é algo que talvez eu ainda não saiba explicar, mas fala de mim para o bem e para o mal.

Fotografando o meu tempo

Eu nasci em 1975, sou um homem de meia-idade deste tempo. Leio o meu tempo com determinado filtros inevitáveis, mas ainda assim o que eu leio é o tempo do agora. Poder registrar essa fatia da história é algo que me agrada muito. Mas me agradaria também se eu estivesse vivendo meus 48 anos em 1975.

Ser testemunha do agora é algo a que eu quero sempre me apegar. Assim como eu não tive o privilégio de fotografar a Lisboa de 1900, quem estava lá, com câmera na mão, não teve o privilégio de fotografar Campinas de 2024. Mas eu tenho!

De nada vale lamentar ou viver em um mundo ao qual eu não tenho acesso. Mais vale olhar para este meu (nosso) mundo ao qual temos acesso, tentar lê-lo, entendê-lo e aprender com ele.

Fotografando em busca da Beleza

A Beleza está nos olhos de quem vê? Não sei. Tenho sérias dúvidas sobre isso. Já tive certezas, mas passaram, ainda bem. Por precaução fotografo com a ideia de que a Beleza existe muito independentemente dos meus olhos. Ela é um aspecto soberano da existência humana e não está nem aí pra mim!

O privilégio é meu se eu a encontrar. Ela não precisa de mim, ela é uma manifestação natural de algo muito anterior que eu e que estará por aí independente da minha existência. E, sinceramente, acho isso muito bom.

Encontrá-la é ótimo. Capturar um dos seus caprichos, melhor ainda. E se eu puder mostrá-la para mais algumas pessoas através dessa ferramenta muito agradável que eu escolhi (a Fotografia), ainda mais satisfeito fico.

Boné, câmera e sola de sapato

Fotografia de rua é um exercício técnico para fotógrafo? Com certeza. Mas não deixe que isso ocupe totalmente a sua mente. Fotografe como exercício de vida, de deslumbramento, de entendimento.

Se acontecer de numa manhã nublada você sair para fotografar e não conseguir nada muito digno de ir para a parede, não tem problema. Fotografe, insista. O que pior pode lhe acontecer é ter tomado um pouco de ar, pensado na vida (sua ou dos outros) e entendido que nem tudo visa um resultado extraordinário. O comum é incrível também.

CHARBEL CHAVES
CHARBEL CHAVES

Fotógrafo e Professor de Fotografia desde 2010. Desenvolve trabalhos autorais, comerciais e educacionais simultaneamente. Autor do livro "Jornada: As histórias que as fotografias contam"

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