Eu creio que existem camadas em muitas coisas na vida. Simbolicamente falando. Quando uma pessoa inicia no mundo da fotografia ela está atenta ao que vê. Mas essa visão é a visão sensorial mesmo. Olhar, enxergar. Nosso impulso de “fotógrafo turista” se caracteriza pelo espanto e reação. É aquele gesto que “olha que lindo!”, “cadê minha câmera?” (em modo automático), aponta e aperta o botão. É o espanto com o assunto. Com o objeto principal.
E queremos ver melhor, queremos ver muito bem. Então aprendemos a prestar atenção e olhamos para o fundo, tentamos não inclinar a fotografia desnecessariamente, procuramos um ângulo mais interessante, esperamos por um momento melhor…é uma espécie de busca por um “design” da imagem. Isso é bom.
Conforme desejamos e nos empenhamos em aprimorar as fotos e deixá-las mais comunicativas, mais tocantes, mais sensíveis, passamos da camada do VER para o PERCEBER. Nesta camada, ainda vemos, somos atraídos, e caprichamos na composição mas damos uma avaliada no sentido, na mensagem, na idéia por trás da imagem.
Olhamos para uma cena e pensamos: “o que essa cena quer dizer?”, ou “o que eu quero dizer com isso?”, ou ainda “o que é importante dizer ou não dizer aqui?”. Uma árvore pode estar simbolizando uma família, um abrigo, uma fonte de vida… uma estrada pode representar a vida, uma fase desconhecida, uma aventura…Isso adiciona à fotografia um valor. Um valor subjetivo. Passamos para um nível de linguagem mais sofisticado. Mais simbólico.
Mas existe uma terceira etapa, ao meu ver, mais nobre, mais criativa e mais encantadora: o IMAGINAR. E existem dois “imaginares”: o imaginar do fotógrafo e o imaginar do observador da fotografia.
Nesta camada da criação fotográfica, o autor imagina o que essa fotografia pode significar para algum(ns) público(s). Mas não é possível ter total controle sobre isso. Há uma boa dose de subjetividade e incompletude da obra.
Nessa hora temos uma imagem que é como uma história que termina em… Existe espaço proposital para a interpretação.
A foto só terminará na mente e no coração do observador. Ele também imagina!
A interpretação tem seus níveis de imprevisibilidade.
É como um paisagista que projeta um jardim e planta árvores que viverão por 50, 80, 100 anos. O projeto básico, a estrutura central, a idéia autoral está lá, mas existe uma vida própria no projeto que não pode ser controlada totalmente. E isso adiciona uma beleza extra à obra.
Para alguns uma simples vidraça quebrada pode levar à lugares reais, visitáveis ou visitados, ou surreais, inventados. Pode trazer à tona um sentimento ruim ou agradável. Pode ser o disparo para a lembrança de um causo, de uma notícia da TV, ou ainda um desejo de estar com alguém ou em algum lugar… Talvez essa imagem tenha um cheiro de roça, ou um som de infância. Mas pode não ter nada disso também.
Fotografias neste nível são como filhos que saem de casa e vão viver em parte a vida que ensinamos a viver, mas em parte sua vida autônoma. São fotografias vivas. Que levam muito do autor, mas que encontram nos olhos de cada observador um solo diferente que fará brotar histórias, sensações e sentimentos não projetados. Essas fotos não serão apenas vistas, serão vividas pelo observador. É uma obra que o fotógrafo apenas começa e o observador a completa. Ou não.
Sugiro o filme “O Mestre da Vida”, que trata deste assunto, entre outros muito importantes para a reflexão artística.