Existem coisas que dirigem a nossa maneira de desempenhar um trabalho ou função mesmo que a gente não se dê conta. As nossas crenças em determinados dogmas podem ser tão presentes e tão invisíveis.
Neste pequeno artigo quero trazer 10 coisas que aprendi a crer. Isso mesmo, crer é uma decisão. Eu resolvi pensar sobre estes temas em pontos distintos da minha caminhada na fotografia e resolvi que essas seriam as minhas posições.
Claro que ninguém é obrigado a agir conforme as minhas convicções, mas talvez eu toque aqui em temas que você ainda não tenha parado pra pensar. E se, pensando, você concluir de maneira diferente da minha, tudo bem. O mais importante é que você reflita, tome consciência de suas posições e construa um trabalho que seja condizente com elas.
- A fotografia não registra a realidade, ela recorta a cena diante da câmera em diversas dimensões: enquadramento (que é muito mais excluir do que incluir), plano, tempo, intenção (do autor), sentidos (somente o visual é que fica) e percepção. Ela é muito menor que a realidade.
- A realidade não é fotografável, é apenas vivenciável e individual. O que fotografamos é sempre uma redução enorme do real. A percepção da realidade é sempre pessoal. Ninguém sente, entende ou interpreta um dado momento histórico em um dado local da mesma forma que nenhuma outra pessoa. Nossa fotografia sempre passa por nossos filtros, mesmo que de forma inconsciente. É muito bom quando esses filtros passam a ser conscientes, mas nem sempre são.
- A “manipulação” da imagem está em todo o processo. No enquadramento, na intenção, na motivação, na pós-produção, na curadoria, na apresentação e na própria câmera (especialmente se você fotografar em JPG). É inevitável. Não existe imagem capturada (analógica ou digital) que não seja processada em algum nível. O mundo digital apenas ampliou as possibilidades, mas elas sempre existiram. O processamento é parte inseparável da fotografia por natureza, por isso aprenda a controlá-lo com objetividade e intencionalidade.
- A fotografia acontece antes na imaginação (na mente) do que na câmera, na tela e no papel. Fotografar é capturar a luz (do ponto de vista físico), mas numa esfera mais desenvolvida/ampliada, é pré-criar. O ato fotográfico se inicia fora da câmera. A fotografia já existe na mente do autor, antes de existir no sensor digital. Quando apertamos o botão, tudo já é passado.
- A fotografia não é arte, é uma linguagem, uma plataforma a partir da qual é possível (ou não) criar uma manifestação artística. Pra se definir arte é preciso pensar em de que tempo? Falo na arte deste tempo. A arte é a expressão do indivíduo (E. H. Gombrich) não da linguagem. A arte é uma capacidade individual de criar expressões alusivas (Calvin Seerveld). A linguagem (no caso, a fotografia) simplesmente é uma possibilidade comunicativa entre muitas outras. É apenas uma das muitas formas de execução do processo. É uma ferramenta para a expressão. A comunicação artística é a passagem do conceito artístico de uma mente (a do autor) para outra mente (a do observador da obra). Para viabilizar essa passagem, alguns usam a fotografia, outros a dança, a música.
- As linguagens artísticas estão todas ligadas por conceitos comuns e inter-relacionados. As fronteiras entre as linguagens artísticas também são fluidas e imprecisas. E cada dia mais. O conceito de “contraste” por exemplo, existe em todas as formas de arte. Apenas se manifesta fisicamente de maneiras diferentes. O conceito de tempo (e suas muitas interpretações) também, mas cada linguagem lida com ele dentro de um espectro de possibilidades. Além disso, as linguagens artísticas se sobrepõem, se completam, se tocam, se misturam. Exemplo disso é a relação entre fotografia e cinema, mais antigo ainda entre a fotografia e as artes plásticas, mas também com a literatura, o design, a arquitetura, a vídeo arte, as HQs…
- Todos podem fotografar. A arte, a criatividade, a imaginação, a intuição e a inteligência são capacidades humanas, não de alguns humanos. Todo ser humano pode usar essas capacidades para se expressar artisticamente (e fotograficamente). Apesar de um existente, persistente e medroso pedantismo profissional, qualquer um com uma câmera é livre e capaz de fotografar. Assim como qualquer um é livre e capaz de cozinhar, ou escrever um conto, ou dançar. O que não significa que todos os que fotografam sejam fotógrafos profissionais, nem todos que cozinham sejam chefs. O que também não significa que fotografar amadoristicamente seja algo insignificante. Existe expressão, então existe significância. Talvez não exista mercado ou público. Mas ainda assim é significante porque expressa o indivíduo de alguma maneira. E todo indivíduo é significante.
- O “novo” é uma ilusão terrível. Tudo o que existe é releitura ou re-feitura. Não há nada novo de baixo do sol. Libertar-se da idéia de “fazer algo novo” é uma bênção e faz-nos mais produtivos e determinados. O que pode ser novo é o refazer de algo, a reinterpretação, ou o fazer para um público novo, ou fazer novamente com variações. Vivemos num eterno remix. E isso é ótimo. Eu e você somos prova disso, somos remixes dos nossos pais. Pense nisso!
- A identidade do artista depende de tudo o que ele é como pessoa. Sua cultura, história, biologia, temperamento, formação, relações, princípios e crenças. Tudo o que o forma, forma a sua obra. É inevitável a não ser que se busque a feitura da fraude, o que também pode ser a revelação da identidade. A presença da identidade pessoal na obra pode e deve ser estudada. Assim o próprio artista assume mais o controle da expressão e da construção de si mesmo, naquilo que é possível. No fazer artístico o artista é feito também.
- A vivência da arte modifica o indivíduo e o que o indivíduo é, afeta a sua vivência artística. O fazer artístico é uma via de duas mãos. Por isso, a carreira em si é uma obra que pode ser apreciada, analisada, planejada, documentada e ensinada. A carreira é a grande obra. O artista se vai, a obra/carreira fica. Nisso também há libertação (do ego) e foco no falso legado. O bom legado é sempre generoso e autruísta.