Chamar uma foto de antiga é muito impreciso. O que é antigo? Ontem? Ano passado? Década passada? A fotografia é sempre feita de passado. No momento em que pressionamos o disparador, já estamos fotografando o passado. Aquele instante que nosso cérebro decidiu apertar o botão, já não existe quando nosso dedo efetivamente o aperta.
Uma fotografia é como uma palavra, um poema ou um livro. A fotografia se abre como um portal para outro lugar/tempo, e nos convida (às vezes nos impele) a entrar. Pra cada pessoa, essa mesma fotografia leva a um destino um pouco ou muito diferente. Mas a fotografia, por sua natureza como suporte de linguagem, lida com a questão do tempo de uma maneira específica. Desde sua invenção, ela nos encanta por essa capacidade de “parar o tempo”. Estamos lá, fixados no papel, anos mais jovens, e ficaremos assim. Lá!
O ato fotográfico é um ato interpretativo. E sempre foi. Olhamos para algo ou alguém à nossa frente e pelo recorte, pelo momento, pela lente, pela interação, pelos ajustes… interpretamos a realidade e sequestramos para o papel um fragmento do tempo/lugar. Não há tudo lá, há um pedaço escolhido por alguém. Sempre uma interpretação. E cada vez que olhamos para ela há uma nova interpretação nessa contemplação.
Além disso, é sempre uma redução sensorial. A fotografia só fotografa, objetivamente, a imagem. Tudo o que o ambiente real nos entrega (cheiro, sabor, tato, sons), tem que ser reduzido para apenas a imagem (visão). No suporte (digital ou físico) a fotografia não tem cheiro, textura, som nem gosto, tem apenas imagem impressa. A imagem desperta os demais sentidos, mas em termos de suporte, é apenas imagem. Quando ela nos desperta além do visível, é pela via de uso do nosso repertório prévio interno, nossas memórias. Para cada pessoa que vê uma foto de um fogão à lenha por exemplo, há um sentimento e percepção diferente. Porque a relação de cada pessoa com esse objeto é uma.
Uma fotografia antiga tem ainda outra dimensão: a camada de tempo que nos separa do que chamamos agora com o que chamávamos agora, no instante da captura. Essa camada (espessa ou fina) também tem valor, simbolismo e significado específico para cada pessoa. É nessa camada que acumulamos o que podemos chamar de memória e o conjunto de memórias que temos constituem quem somos hoje, nossa identidade. Somos feitos do que vivemos e há algo especial naquilo que lembramos que vivemos. Milhares de “fotografias” estão entre o agora e aquela foto antiga. Aquela foto antiga é apenas um ponto nesta linha.
As pessoas também reagem de maneiras diferentes ao passado. O passado como objeto de contemplação é doloroso, triste, alegre, melancólico, saudoso, detestável, adorável…depende de cada um, depende de cada passado, de cada identidade formada. Mas a fotografia antiga é como um ímã que nos puxa para um ponto no passado e nos força a desfrutar do sentimento que temos guardado sobre ele.
Olhar para uma foto antiga é como olhar para um portal (como nos filmes de ficção científica). Quando ele se abre à nossa frente, somos sugados. E para alguns essa viagem é ótima, desejável. Para outros nem tanto. Mas existe um efeito resultante dessa jornada de ida e volta: sempre voltamos um pouco diferentes e sempre iremos diferentes da próxima vez também. A própria viagem nos remonta, nos redimensiona e redimensiona aquele ponto no passado que está preso à fotografia antiga, com suas dores e alegrias.
Fotografias antigas são mais que um objeto, são uma experiência. Cuide bem delas, porque de alguma forma elas são parte de você.