Para os gregos, a inspiração vem da idéia (bem criativa aliás) que musas sopram nas narinas de alguns homens escolhidos, um impulso criador.

Como se elas transferissem para a raça humana, representada por alguns poucos eleitos, algo que ela não tem por si só.

Imagine uma espécie de “beijo espiritual” onde o contato íntimo com a musa transfere para o beijado, idéias, poesia, inventividade, lirismo…

Essa idéia grega, por mais bela que seja, é biologicamente, neurologicamente, cognitivamente falsa.

Nossas idéias não vem de entidades espirituais que nos escolhem para nos presentear com o belo, o criativo, o novo, o lírico.

Fazemos remixes o tempo todo

Nosso cérebro trabalha de forma a associar elementos que damos à ele. No fundo, no fundo, nada é criado, tudo é um remix. Nada é novo realmente.

Mas, pode ser de um jeito novo, com uma associação nova, para um público novo, numa situação específica.

Entretanto, existe uma coisa que, apesar de não ser nova, é única: você e eu. Cada um de nós é primeiramente um remix de nossos pais (geneticamente).

Mais que isso, um remix biológico de todos os que vieram antes de nós, nossos ancestrais familiares.

Em um segundo plano, nossa personalidade e maneira de analisar as coisas, pensar sobre situações, resolver problemas, enfim, nossa maneira de viver como vivemos é fruto de tudo aquilo que nosso cérebro entrou em contato durante nossa vida até o presente momento.

As músicas que ouvimos, os filmes que assistimos, os amigos e suas idéias, as notícias do jornal, nossas atividades corriqueiras, nossos medos, sonhos, ansiedades, contatos físicos ou emocionais com todos à nossa volta, nos fazem únicos.

“Você não fotografa com sua câmera. Fotografa com toda a sua cultura.” Sebastião Salgado

E todas essas coisas são insumos para que nosso cérebro faça conexões ou desconexões, crie ou destrua, solucione ou encontre um impasse.

Se deixamos nosso cérebro “inspirar” qualquer coisa, então temos “matéria-prima” para idéias!

Por isso, cuidado com suas referências. Tudo te influencia, mesmo que você não perceba, mesmo que você não acredite nisso.

A qualidade do que produzimos está relacionada com a qualidade do que “engolimos” com nosso cérebro. No fundo nosso ele está em busca de “inspiração” e absorvendo elementos vivenciais o tempo todo.

E tudo o que você produzirá, não duvide, terá rastros destas coisas.

Agora, em termos práticos, imagine a importância que há em ajudarmos as crianças a estarem em contato com coisas, pessoas e situações que forneçam a elas insumos adequados.

E eu não estou sugerindo que você cerque seus filhos com situações lindas, delicadas, ternas apenas. Situações de ruptura (controlada), frustrações, enigmas, desafios e tristezas são fundamentais também.

A vida adulta deles não será monitorada por pais zelosos sempre. É preciso treiná-los para os desafios futuros, mas claro, dentro de uma proporção adequada à idade atual e capacidade emocional de cada criança.

Comece do ponto onde você está

Mas, neste ponto, você pode estar pensando. Tudo bem, mas eu não tive de meus pais estes cuidados e este “treinamento” para me tornar uma pessoa criativa, produtiva, segura, decidida… Mas você é verdadeiramente dono de suas escolhas hoje!

Talvez tenha, em algum momento da sua vida escolhido não escolher. E isso paraliza o seu desenvolvimento pessoal.

Faça o caminho contrário daqui pra frente, decida escolher adequadamente os passos e as influências da sua vida. Mas vá com a atenção necessária para fornecer ao seu cérebro, material de trabalho da melhor qualidade.

“Não importa o que fizeram com você. O que importa é aquilo que você faz com o que fizeram com você”. Sartre

Cuide dos insumos

Uma vez, assistindo uma entrevista com uma famoso chef de cozinha brasileiro, o entrevistador perguntou a ele: Como se faz um prato que possa ser chamado de perfeito.

Ele, de bate-pronto, respondeu: Tudo, absolutamente tudo, desde o plantio dos vegetais, o processamento das substâncias, a técnica de preparo, o tempo, a temperatura, tudo que constrói o prato deve ser exato e da melhor qualidade possível.

Se tudo o que o compõe (insumos e procedimentos) for de excelente qualidade, o resultado final será excelente.

Na visão de alguém que trabalha com a busca da perfeição estética e sensorial o tempo todo, essa é uma resposta perfeita.

Aplique isso no seu contexto de trabalho. Nas empresas, nos ateliês, nas oficinas, nas escolas, nos hospitais… tudo é uma analogia à uma “cadeia de produção”.

Existem insumos, processos e técnicas. Tudo é interdependente. Começa de um ponto, com algumas coisas elementares e chega em outro ponto com um produto, serviço ou conceito acabado.

Se tudo for da melhor qualidade. Os resultados também o serão. Mais que isso, seu cérebro é seu principal equipamento. Não o alimente com qualquer coisa.

Busque o melhor da sua área. As melhores referências, os melhores pensadores, as melhores análises. Ponha tudo à prova. Selecione o que fica. Isso vai desenvolver você!

Entenda as etapas

E esse desenvolvimento tem etapas. Entender essas etapas, especialmente a “etapa da cópia” e a “etapa do roubo”.

“Bons artistas copiam, grandes artistas roubam.” Pablo Picasso

Essa frase de Picasso, pode nos parecer à primeira vista, que quer separar os artistas em dois grupos: os bons e os grandes. Mas eu não vejo assim.

Pra mim Picasso está apontando o processo pelo qual nos tornamos grandes em algo que fazemos (seja arte, gestão ou qualquer outro campo): você tem etapas para passar. Ele mostra duas delas.

A etapa de se tornar bom, tem a cópia como elemento importante, a etapa de se tornar grande, tem o roubo.

Mas o que é copiar e o que é roubar, neste caso?

Copiar

Todos aprendemos copiando. Isso é natural e bom. O ser humano, o cérebro humano é assim. Entre as muitas fases do aprendizado passamos por repetições.

Sua mãe repetiu várias vezes algumas instruções para que você quando criança pudesse fixar isso em sua mente. Você realizou tarefas que hoje são muito simples, de forma muito imperfeita no início.

Com o passar do tempo e com múltiplas repetições, o que hoje é corriqueiro e simples já foi complexo. Pense em como você aprendeu à escovar os dentes, por exemplo.

Mesmo quando já adulto, aprendeu a dirigir seu carro. No início parece muita coisa pra pensar ao mesmo tempo, mas hoje você até se arrisca falando ao celular enquanto dirige.

Roubar

Mas a idéia de roubo é diferente de copiar ou repetir. É a idéia que precisamos construir “novas” coisas a partir de material pré-existente.

No fundo isso nos tira da ilusão de que criamos algo. Nós apenas adicionamos mais um elo na corrente (como diria Cezáne).

Nós partimos de realizações de outros para construirmos as nossas realizações. De uma certa forma passamos a ser partes da corrente e o “roubo” passa a ser apropriação na nossa vivência.

O novo não existe

A ilusão do novo é paralisante e frequentemente extenuante. Crer que realmente criamos algo é uma auto-sabotagem.

A partir do momento que percebemos que nossas possibilidades criativas estão dentro do campo da interpretação pessoal, estamos libertos.

O roubo é quando algo que era de outrem passa para as suas mãos e agora você poderá levar esse algo para outra direção, propósito, público ou aplicação.

Você poderá usar a mesma coisa, mas de forma diferente da qual o antigo dono usou.

O roubado passou a compor o seu repertório interno.

Pense em uma motocicleta. Ela é um produto novo?

Quando foi inventada, como foi encarada pela primeira vez? Era algo que realmente não existia antes ou foi uma releitura, uma reinterpretação de algo pré-existente? Alguém poderia ter olhado para uma e tê-la entendido como um cavalo metálico.

Não seria nada absurdo. Ela se presta a uma função similar. Você a conduz montado. É bem plausível. Apesar de ter algo de novo em uma moto em relação à um cavalo, ela é muito mais uma “evolução” do que uma criação.

É adicionar um novo elo na corrente.

Existe algo de ruptura intrínseco ao processo. Você “desfaz” a idéia de cavalo em parte. E a remonta em forma de motocicleta. Mas no fundo é apenas uma releitura. Uma reinterpretação da função e forma de um cavalo.

O design industrial faz isso diariamente.

Inspiração é trabalho

Dado esse entendimento do processo criativo, a inspiração (o ter novas idéias) vem muito mais de um labor observacional do que um fenômeno meta-físico.

Você precisa estar no modo fazer. Sua mente está transpirando. Observando, questionando, descontruíndo, religando peças, invertendo, trocando funções… enfim você está no seu laboratório-biblioteca em pleno trabalho.

“A inspiração existe, mas ela tem que te encontrar trabalhando.” Pablo Picasso

“Não dá para esperar pela inspiração, é preciso ir atrás dela com um porrete.” Jack London

O senso de realismo do nosso amigo cubista é impressionante. Vem do entendimento que Picasso tinha dos seus processos mentais que o levavam ao insight.

Alimentar o cérebro, colher pequenos temas, motivos elementares, formas de conexões, faz surgir (um pouco fora do nosso controle) as idéias!

O processo importa

Aprenda o processo e colha os frutos. Não lute com o processo, dance com ele.

Para o mundo dos artistas, esse papo todo pode estar soando delicioso e eventualmente bem familiar, apesar de que nem todos os trabalhadores da arte tem consciência destes mecanismos.

Mas, para alguém do mundo da gestão, pode parecer viagem demais.

Se você se entende como um “espécime gestor”, encare esse processo no desenvolvimento de soluções.

A vida é um amontoado de problemas.

Precisamos dormir, precisamos comer, precisamos trabalhar, temos necessidade de relacionamentos… são carências, faltas, necessidades que temos que solucionar para que a vida exista, para nós mesmos e para outros.

A expressão “criar uma solução”, “vender uma solução”, “sistematizar uma solução”, é bem típica do mundo coorporativo.

O artista e o gestor

O artista faz uma obra de arte. O gestor (especialmente o gestor coorporativo) faz uma solução. O artista faz a obra para solucionar também, mas não diz assim. O artista soluciona sua ânsia de expressão, soluciona a ânsia de reflexão sua e de outros, soluciona a necessidade de contemplação.

O gestor soluciona problemas dos mais variados, nas mais variadas áreas.

O artista pode ser interpretado pelo gestor como um solucionador do pensamento, talvez. O gestor pode ser interpretado pelo artista como um solucionador do mundo real, material.

Ambos estão na mesma linha, apenas em pontos diferentes dela.

Assuma o controle

De qualquer forma, entender o processo pelo qual a inspiração acontece, ou seja, como as idéias surgem, é fundamental e útil para o ser humano, independentemente da sua área de atuação.

Dica bem prática: Tenha sempre com você, em qualquer lugar, o tempo todo, um caderno ou aplicativo de celular, (o que lhe parecer mais prático) no qual você possa fazer “coletas” de idéias, frases, títulos, dicas, falas ou qualquer fragmento de pensamento, mesmo um rabisco, um esboço.

Esse pode ser um grande “estoque” para o seu laboratório criativo.

Se você for uma pessoa minimamente organizada, crie pastas em seu computador pessoal para que organize por tópicos temáticos esses fragmentos, conforme a sua realidade de trabalho: movimento, finanças, cores, livros interessantes, vídeos, esportes… quaisquer categorias que façam sentido para o seu trabalho e que sejam rápidas para a sua mente associar com coisas que você coleta no seu dia-a-dia.

Precisa de ajuda?

Tenho duas maneiras de ajudar você (além desse blog!):

Dê uma olhada no nosso programa de Mentoria ou Analise de Portfólio. Leia com atenção e entre em contato comigo para marcarmos uma reunião on-line, para que eu possa entender especificamente as suas lutas.

CHARBEL CHAVES
CHARBEL CHAVES

Fotógrafo e Professor de Fotografia desde 2010. Desenvolve trabalhos autorais, comerciais e educacionais simultaneamente. Autor do livro "Jornada: As histórias que as fotografias contam"

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