Falar sobre poesia é uma tarefa muito difícil. Gostar de poesia (alguma poesia) é uma coisa muito fácil.
Isso se explica em parte por que existem muitas poesias. A poesia é comumente confundida com o poema.
O poema é uma das manifestações da poesia, um gênero.
Mas a poesia é um substrato. É latente. Ela é muito variada, conforme cultura, tempo, personalidade do poeta, situação onde ela se mostra…
A poesia é ela mesma nas coisas, nas pessoas, nas situações e, no nosso caso, nas imagens.
Uma fotografia de mãos dadas entre a vovó e o netinho é poético. Um leitor solitário à sombra de uma árvore, é poético. Uma plantinha que nasce na fenda do asfalto, é poético, aliás essa já foi tema para o Drummond!
A captura da poesia pela nossa mente, pode ser muito imediata e por todo lugar, por toda a vida.
Você “vê” poesia nas coisas, você é tomado por um espanto estético conversando com o vendedor de verduras na feira, você se encontra com ela vendo as gotas de chuva que batem na janela ou ouvindo uma criança explicando alguma coisa para um adulto.
A poesia é sempre inesperada, eu acho. Pode ser buscada, mas há sempre um pequeno susto feliz no encontro.
Nossa estrutura mental humana precisa e busca o belo poético nas coisas, desde criança. Pra ela, tudo é brincadeira. Pra nós, a utilidade e a necessidade da vida, dos dias, do viver em sociedade, nos tira pouco a pouco a percepção da poesia – se deixarmos! Mas ainda a temos.
Esse desejo pelo belo, é inerentemente humano. O poema é um objeto. Uma forma. Na linguagem escrita/falada existe essa “categoria”. É um uso possível da linguagem para a manifestação do que é belo.
Ele pode ser mais direto ou mais abstrato, mais curto ou longo, mais sonoro e musical, ou mais livre ou despojado no som. Pode estar em um livro formalmente de poemas, ou embarcado numa canção.
Essas diferenças nos aproximam ou nos afastam de acordo com quem somos e o tipo de coisas que nos atraem.
A fotografia pode ser comparada em vários aspectos ao poema. Os poemas dizem muito (inclusive o que não foi dito) com uma economia de palavras.
É como se ele fosse maior por dentro do que por fora. Sempre há mais a ouvir do que foi dito (ou escrito).
Diferentemente do romance, que é extenso, cheio de detalhes, o poema é conciso. Ele diz muito com pouco. O que não significa reducionismo. Muito pelo contrário, ele frequentemente nos conduz a um caminho, mas com muitas possibilidades de paisagem.
O poema sempre nos dá mais, se ficarmos nele por mais tempo. E também nos entrega mais do que o autor pretendeu. Como se tivesse uma certa “vida própria”.
Existe uma certa autonomia, com um jardim plantado que vai tomando forma variada ao longo do tempo e é apreciado de formas diferente conforme os olhos dos visitantes.
A fotografia poética se assemelha muito bem a isso, sendo também concisa, recorte da realidade adestrada para ser imagem.
Mas de uma forma oposta (em um aspecto): o poema constrói em nossa mente uma cena através das palavras. A fotografia constrói uma mensagem através da cena. Mas com grandes possibilidades de interpretações também.
O processo de construção de um bom poema e uma boa fotografia passa por uma certa destilação.
É como fazer um bom molho de tomate, é preciso ir mexendo no fogo, concentrando, esperando a água evaporar em parte e os ingredientes vão se relacionando, reagindo até atingirem o ponto ideal, onde tudo funciona bem e o sabor planejado poderá ser desfrutado.
Também é preciso escolher os melhores insumos para que o resultado final seja o melhor. Estes estão dentro de você ou em fontes que você escolhe engolir.
Os bons poemas e as boas fotografias mexem conosco. Eles nos movem para um lugar onde não estamos. Eles nos tiram daqui para um ponto novo de observação.
E nos tiram daqui com suavidade e força ao mesmo tempo. Com certo carinho, mas com intensidade, como se fosse um relacionamento humano onde uma pessoa altera a outra, uma bom poema, uma boa fotografia nos influencia.
Existem sempre uma lógica interna para dar engajamento. Uma adequada condução. Um revela/esconde, um chiaroscuro, que prende o leitor do texto e da imagem.
Os melhores poemas e as melhores fotografias deixam lacunas, dão espaço para a participação mental do outro. Pra isso o poeta, íntimo das palavras, seleciona, depura e inventa o que for necessário. Proceder por eliminação, saber o que descartar, selecionar. Isso demanda tempo, esforço e atenção.
O bom fotógrafo vai selecionar um ângulo, uma determinada luz, exposição, foco, profundidade de campo… de maneira a conduzir o observador, revelar, destacar ou esconder elementos.
No entanto, no resultado final (tanto da fotografia quanto do poema) está a bela mentira de que é fácil.
Os grandes fotógrafos e os grandes poetas nos aparecem como seres iluminados, não como trabalhadores, como realmente são.
A obra acabada frequentemente esconde as dores do processo, a luta, o que alimenta ainda mais a ilusão.
Fazer qualquer coisa de maneira simples é muito difícil. O poema e a fotografia não são excessões. Simplificar é algo complicado.
E como saber se chegamos lá? Ainda não sei. E talvez esse seja um bom sinal. Assim como o texto lança mão das ferramentas da língua para comunicar, a imagem lança mão das suas próprias, ou similares ao texto.
Por exemplo, os conceitos de contraste, foco, condução, enquadramento, contexto, ritmo, movimento, tempo, textura, alusão, metáforas, rimas, distorção…estão presentes em ambos.
Seja na imagem construída em estúdio, seja “caçada” ao ar livre, a fotografia lida com uma série de decisões que devem ser tomadas pelo seu autor. Essas decisões definem quais elementos composicionais servirão melhor ao propósito daquela obra.
Uma característica extra que a fotografia pode apresentar é narrativa em conjunto de imagens, não apenas em um única. Neste caso, cada imagem pode comportar-se como um verso, uma palavra, ou fragmento. E, no seu conjunto, as imagens constituirão a obra.
Eu creio que a literatura em geral se presta muito bem ao trabalho de construção de repertório visual para os fotógrafos, mas creio que o poema especialmente, pela sua apresentação sintética, pelo seu processo de criação e pela variedade de graus existentes entre o descritivo e o simbólico que ele pode carregar.
Preste atenção, a poesia está por toda parte!
Meus poetas prediletos (que eu considero altamente visuais):
- Carlos Drummond de Andrade
- Mia Couto
- Manoel de Barros
- Fernando Pessoa
Livros pra aprofundar o tema:
- O arco e a lira, Octavio Paz
- Poesia visual, Cris Orwig
- Fotografia & Poesia (afinidades eletivas), Adolfo Montejo Navas
Fotógrafos poetas sugeridos: