Abstração e fotografia P&B: uma relação muito íntima

Eu sou daqueles chatos que acreditam que, para criar uma fotografia monocromática (tipicamente P&B), é preciso ter uma razão em mente. Aliás, acredito que pra tudo na vida deveria ser assim.

Apesar de algumas primeiras experiências com fotografia colorida datarem de 1861 (pelo físico James Clerk Maxwell), o primeiro filme realmente colorido chegou ao mercado apenas em 1907, mas ainda de maneira muito restrita. O famoso Kodachrome só surgiu em 1935. E em 1963 a Polaroide lançou o filme instantâneo colorido.

Eu considero, para fins de mercado que o Kodachrome tenha sido o grande marco da fotografia colorida. Mas isso é coisa minha. De qualquer forma, de maneira geral, foi à partir da década de 50 que a fotografia colorida começou a se “alastrar”. Até então, o que tínhamos como linguagem e tecnologia acessível e estabelecida era o filme P&B.

Em meados de 60/70 grandes nomes da fotografia como William Eggleston, romperam a barreira do P&B para a cor, na representação jornalística de alta expressividade. E isso certamente causou estranhamentos momentâneos nos meios mais “monocromáticos” da elite documental.

Resumindo, na história da fotografia temos isso: uma limitação técnica até certo momento e, depois de superada, a estética anterior (no caso, o P&B) permanece em paralelo. Firme e forte. Por que disso?

O meu raciocínio é o seguinte: o P&B constitui uma linguagem em si, dentro da linguagem fotográfica. Por quê? Porque ele é uma abstração. A fotografia é uma abstração e a fotografia P&B é ainda mais abstrata. Explico:

Do concreto ao abstrato

Vamos entender essa linha que vai do concreto (ou figurativo) ao abstrato.

Concreto ou figurativo é aquilo que há, aquilo que existe, da forma que existe. Muita gente, inocentemente, considera a fotografia um registro do real. Isso é verdade apenas em parte.

A fotografia é um registro do que existiu diante da câmera no momento da captura. Mas uma versão disso, um espelhamento do real – aliás, a imagem em um espelho também é uma abstração.

No entanto, a fotografia se afasta da realidade (e isso constitui a sua abstração) entre outras coisas, porque é limitada nos nossos sentidos. Fotografia é imagem. Não é cheiro, não é tato, não é audível nem comestível! Fotografia é sensorialmente simples. Em relação à realidade diante da câmera, a fotografia é muito menos que ela, neste sentido.

Outro aspecto que afasta a fotografia da realidade é a sua reprodução de cores. Na imagem capturada houve uma medição de cores pelo aparelho e um estabelecimento de que um determinado conjunto delas deveria ser aplicado ao arquivo digital, enquanto na realidade, as cores “vindas” de um objeto estão em constante mudança por causa de uma série de fatores, mas o mais primário é que a incidência de luz muda e a natureza dessa luz muda. Excetuando-se situações mais controladas em estúdio.

Um terceiro ponto fundamental da formação de uma imagem, a textura, também é uma abstração na fotografia. Visto que a relação do objeto com a luz é que destaca, acentua ou atenua a nossa “sensação imaginada” da textura das superfícies, mas não a sua existência no objeto.

Mas então, P&B é abstrato?

Se considerarmos (como eu considero) que abstração é o afastamento proposital do ser real, do existente, qualquer representação é em algum nível, uma abstração.

Quando tiro a tridimensionalidade, afasto-me da realidade, quando outros sentidos, também. Quando tiro a camada de informação que chamamos COR, afasto a imagem ainda mais do objeto real, ou mesmo da representação colorida.

Então, sim, o P&B é abstrato, mais que a cor.

Uma fotografia P&B é melhor que uma fotografia colorida?

Não necessariamente. O que quero defender aqui é que, se a intenção do autor é trabalhar em um campo mais distante da realidade, mais abstracional, o P&B é uma das possibilidades para isso.

Outra, não oposta, mas derivada, é a distorção proposital das cores, seja pela dessaturação (tons pasteis), seja pela saturação (vide o trabalho de Alexandre Urch, Walter Firmo ou Alex Webb. Ou mesmo, pela criação de imagens com cores totalmente alteradas/trocadas.

Enfim, o que importa não é a discussão sobre qual linha de criação é melhor, mas sim à qual intenção autoral cada uma dessas possibilidades se adequa mais.

Se um determinado portfólio tem a intenção de ser mais distanciado do real e mais subjetivo, imaginativo ou alusivo, tendo a afirmar que o P&B lhe cai muito bem. Mas isso no fim, é decisão pessoal.

CHARBEL CHAVES
CHARBEL CHAVES

Fotógrafo e Professor de Fotografia desde 2010. Desenvolve trabalhos autorais, comerciais e educacionais simultaneamente. Autor do livro "Jornada: As histórias que as fotografias contam"

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