Fotógrafo velho

Dia desses ouvi uma conversa entre dois amigos fotógrafos, um pouco mais jovens que eu (sou de 1975), onde rolava uma defesa exagerada da fotografia digital. Digo exagerada, porque tudo girava em torno do argumento que a fotografia analógica (química) estava morta e isso era coisa de “gente velha”, em tom de superioridade.

Eu não quis entrar na polêmica porque fiquei atento aos argumentos e pensando nos motivos que levam dois bons profissionais da minha área a pensarem assim. Cheguei a 3 conclusões, que eu ainda estou afinando. As pessoas que desprezam a fotografia analógica (e os profissionais mais antigos) tem:

Ignorância sobre o que era e é (isso mesmo, ainda é) a fotografia analógica.

Eu sou um fotógrafo, digital. Minha primeira câmera era digital. Meu trabalho é 100% digital. Fui aprender sobre a fotografia analógica por curiosidade e admiração pelo trabalho do meu sogro, já falecido, Pedro Jiménez Gomez, mas foi um dos melhores fotógrafos do país na área dele (fotografia científica/Unicamp).

Realizar o processo analógico de uma fotografia PB (que é mais simples que o colorido) já é uma maratona. Os “fotógrafos velhos” precisam de mais tempo, mais dedicação, mais cuidado, mais dinheiro, mais equipamento instalado… para que tudo corra bem. É fácil entender que um profissional que passou a maior parte do seu tempo de carreira no mundo analógico, tenha um saudosismo sobre esse tempo. Quem já entrou em um laboratório de revelação sabe como aquele ambiente é intenso.

Cheiros, sombra, escuridão, solidão e solitude, concentração, tralhas específicas para o trabalho, cronometragens precisas, produtos químicos, controle de temperatura, soluções químicas criadas especificamente para determinados trabalhos (uma alquimia no seu melhor significado)… é um verdadeiro artesanato. É apaixonante.

É muito diferente (não melhor, não pior) que o mundo diante da tela do seu monitor, Lightroom e Photoshop. Não acho correto carimbar na testa dos antigos fotógrafos, simplesmente o título de SAUDOSISTA. Ser um fotógrafo analógico é sinônimo de DEDICAÇÃO.

Falta de valorização do trabalho alheio.

Muitas famílias foram privadas da presença dos “fotógrafos velhos” por intermináveis dias de trabalho em campo e laboratório. Muita gente fez faculdade e teve pão na mesa porque o “fotógrafo velho” estava enfiado numa sala escura, impregnado de produtos químicos para ganhar seu dinheirinho. Esses “fotógrafos velhos” estavam honrando as calças e a incrível tradição fotográfica brasileira, que a história mostra com todos os detalhes.

Mediocridade intelectual.

Um “fotógrafo velho” é uma fonte incrível de histórias, de informações e acima de tudo de inspirações. Fico maravilhado de ouvir os casos de soluções criativas que frequentemente eram necessárias para determinados trabalhos que hoje em dia a indústria de equipamentos nos vende prontas. Ou ainda, sobre a paciência para conseguir determinado resultado e insistência para repetir e repetir até chegar lá.

Se você não gosta ou não consegue parar para ouvir as velhas histórias dos “fotógrafos velhos” da sua convivência, você tem um problema. Você está desperdiçando a chance de ir além, de não cometer os mesmos erros, de aplicar idéias criativas do passado em trabalhos do seu dia-a-dia e acima de tudo fazer coisas que você mesmo dirá: fiz algo novo! Mas não. Não há nada novo. Os “fotógrafos velhos” já fizeram, fizeram muito bem e você está pagando um mico público e nem sabe. Um pouquinho de pesquisa atenta vai te mostrar o que é “novo” na fotografia.

A fotografia analógica já teve seu auge, tem suas dificuldades hoje. Mas ainda resiste em nichos, o que é muito bom e relevante. Mas acima de tudo, tem lições preciosas para os “digitais”. Aprenda com os “velhos” e pare de se achar O cara. Eles fizeram em silêncio e no escuro, mais do que a maioria de nós faz alardeando em redes sociais e em rodinhas de conversas feitas para degradar a história da sua própria profissão.

Respeite seus velhos colegas, seja amigo deles, aprenda com eles e produza algo (como eles fizeram) que seja relevante para a sua vida, sua família e (se for muito dedicado) para a sociedade.

A história da fotografia brasileira não merece e não precisa de gente jovem de corpo e câmera, e obsoleta de mente.

Ótimo dia de trabalho para todos os que amam e se dedicam com afinco à fotografia, analógica ou digital.

CHARBEL CHAVES
CHARBEL CHAVES

Fotógrafo e Professor de Fotografia desde 2010. Desenvolve trabalhos autorais, comerciais e educacionais simultaneamente. Autor do livro "Jornada: As histórias que as fotografias contam"

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