Memória e Fotografia

É possível que algumas pessoas, enquanto fotografam estejam perdendo a vida que passa a sua frente. É possível.

Eu, pessoalmente não tenho essa sensação com muita frequência, mas já aconteceu.

Em algumas ocasiões especiais, fotografei chorando na câmera. Eu estava pessoalmente envolvido no trabalho. Percebo que nessas ocasiões eu estava vivendo intensamente aquele momento.

E isso se tornou memória e a fotografia. Mas eu sei que nem sempre é assim. É mais comum, para a maioria das pessoas, estar com a câmera e não com a cena.

O envolvimento com o equipamento é forte e pode tirar você da imersão total no momento vivido.

Então, eu creio que uma boa prática é perder fotografias deliberadamente de vez em quando. Deixar a câmera e fazer algo ou simplesmente assistir aos filhos, os amigos, a cena, o evento.

Tenha em mente que nem tudo precisa ser registrado.

Vivenciar o momento é mais forte e mais importante que registrar o momento. Vivenciar o momento é que gera memória.

Realizar a foto é útil para relembrar, mas eventualmente podemos ter a sensação de “relembrar”, o que não vivenciamos, porque estávamos envolvidos com a técnica, o equipamento.

Isso seria uma fotografia feita mas sem memória. Essa desmemória é triste, eu acho.

Eu sei que isso soa muito desagradável para quem é apaixonado pela fotografia. Eu sou professor de fotografia e como tal, deveria estimular todos a fotografar muito, muito, muito e muito bem.

Mas creio que essa sensação ruim também seja sintomática. Se é desagradável pensar em perder fotografia propositalmente, talvez seja um sinal de que você está se apaixonando pela coisa errada.

A fotografia não é maior que a vida. Ela é parte da vida (de algumas pessoas mais, de outras menos). Mas é menor que a vida. Viver é mais que fotografar.

Não deixe sua devoção à fotografia, à arte, à linguagem tomar o lugar de nada que seja mais importante para a sua vida e de sua família.

Faça isso de vez em quando, deixe a câmera de lado. Experimente outro tipo de registro. Um tipo mais orgânico, mais emocional, multi-sensorial. Mais volátil, sim.

Memória é uma fotografia feita sem câmera. Treine também.

CHARBEL CHAVES
CHARBEL CHAVES

Fotógrafo e Professor de Fotografia desde 2010. Desenvolve trabalhos autorais, comerciais e educacionais simultaneamente. Autor do livro "Jornada: As histórias que as fotografias contam"

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