Olho treinado e repertório fotográfico

Na caminhada por tornar-se um fotógrafo profissional, é preciso cultivar muitas habilidades. Uma das mais fundamentais é aprender a ler as imagens. Muitas vezes nos encontramos em momentos de bloqueios criativos e precisamos de ajuda com isso. E frequentemente, ter um rico repertório interno é uma excelente rota de saída para o problema.

Como ter “olho treinado” na fotografia?

Não sei se você já passou pela experiência de escrever um texto, por exemplo como este aqui e depois de trabalhar as idéias, ordenar os conceitos e argumentos, revisa. Encontrando alguns erros, revisa de novo e pede pra alguém dar uma conferida no “português”.

Depois que você conferiu, achou uns errinhos de digitação, de concordância… seu amigo(a) também achou outros. Aí você pensa: preciso melhorar meu português ou, preciso contratar alguém da área para revisar meus textos… eu já passei por isso. Não tenho capacidade financeira para contratar permanentemente um revisor apensar de saber claramente como isso é bom. Numa certa ocasião uma pessoa da área revisou um texto pra mim. E eu fiquei impressionado como deixei passar tantos erros e como podemos melhorar muito a construção de determinadas frases para transmitir de maneira mais eficiente as nossas idéias.

Eu realmente gostei da experiência. Neste meu espanto, elogiei o trabalho da pessoa e demonstrei minha surpresa com a minha pequena capacidade nesta área. Ela me disse: é assim mesmo, eu tenho o olho treinado para isso! Pois é, quero pensar neste post sobre o “olho treinado”.

Quando entramos numa determinada área de conhecimento nosso “olho” começa a ser treinado. Coloco entre aspas a palavra olho porque não é o olho, na verdade, é o conhecimento, o pensamento e a atenção. Um músico, assiste um filme e ouve a trilha com uma perspectiva muito diferente de quem não é músico. É sabido que a trilha sonora adiciona uma dimensão extra de significado e condução das emoções ao filme.

Um fotógrafo, da mesma forma tem um certo “arsenal” de ferramentas mentais, de treinamentos da observação, que adicionam significado e importância às cenas e elementos que ele vê. Henri Cartier-Bresson, um dos grandes nomes da fotografia mundial, tinha notoriamente uma visão geométrica sobre o mundo. Eles buscava certos alinhamentos, equilíbrios e detalhes nas cenas que a grande maioria das pessoas simplesmente deixa passar. Bresson era um geômetra. Ele buscava um certo design gráfico que dependia da sua posição em relação à cena e dos movimentos presentes nela. Quando a luz, a composição e o momento se alinhavam, voilà! Ele estava com o dedo no disparador.

O que acontece na verdade é um aprimoramento da nossa atenção para um objetivo específico, no caso, a fotografia. E isso se dá de duas formas: primeiro, pelo conhecimento das “regras”, convenções e normas da área (no caso da Língua Portuguesa isso é bem óbvio), no caso da fotografia é basicamente composição e iluminação.

Em segundo lugar, pela criação de um repertório visual. Na fotografia, existem 3 formas de construir esse repertório:

Como construir seu próprio repertório interno?

1) Pela observação dos portfólios de grandes fotógrafos juntamente com o seu pensamento como autor. Ou seja, [ver + ler]. Percorrer imagens pelos olhos de fotógrafos experientes, especialmente pelos olhos dos grandes nomes, é um aprendizado guiado. O autor silenciosamente nos toma pelas mãos e nos leva pelo caminho do seu pensamento. É agradável, mas sempre suave. É preciso ir além do VER a foto, é preciso PENSAR com ela, percebendo as intenções, o dito e o sugerido de cada captura.

2) Pela tutoria de alguém que já tem um repertório e que possa nos acompanhar nessa construção. O repertório imagético de cada fotógrafo é como o repertório literário de um escritor. Cada um tem seu percurso próprio de vida. Não é possível conhecer tudo, é preciso criar um certo direcionamento que irá nos acompanhar pelo decorrer do tempo. Alguns fotógrafos serão mais importantes, marcantes, relevantes para mim do que para você e vice-versa. Um tutor para essa tarefa não lhe dirá que caminho percorrer, mas lhe dirá as possibilidades, os “perigos”e os cuidados para a caminhada. E, eventualmente podem haver fases diferentes na sua carreira que irão exigir tutores diferentes.

3) Pela tentativa e erro. E isso inclui inicialmente copiar deliberadamente os mestres com intenções didáticas. Imitar faz parte do aprendizado das coisas. E com o tempo chega o momento que paramos de imitar e começamos a ser, começamos a nos apropriar (tornar nosso) daquilo que vemos e entendemos. O que era ver e ouvir passa a ser um diálogo. O que era admiração torna-se produção, em nova forma.

Treinamento exige disciplina

Mas esse treinamento exige um grande nível de disciplina. O volume de treino deve ser grande. E isso é uma disposição cada vez mais rara nas pessoas. Assim como nos esportes, as habilidades são desenvolvidas ao longo do tempo com diligência e um afiado senso de objetivo.

Todos estão com muita pressa em chegar “lá”. Mas o percurso é tão intenso, interessante e importante quanto o destino. Olhos treinados exigem estratégia, demanda tempo e esforço sem perder a alegria e o entusiasmo. Treine os seus!

Fotógrafos tem a obrigação de ver e perceber de alguma(s) forma(s) o que outros não viram e traduzir o percebido para que outros vejam. Se precisar de ajuda pra isso, estamos aqui.

CHARBEL CHAVES
CHARBEL CHAVES

Fotógrafo e Professor de Fotografia desde 2010. Desenvolve trabalhos autorais, comerciais e educacionais simultaneamente. Autor do livro "Jornada: As histórias que as fotografias contam"

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